Iemanjá por Pierre Verger




IEMANJÁ (YEMOJÁ)

Yemojá na África

Iemanjá, cujo nome deriva de Yèyé omo ejá ("Mãe cujos filhos são peixe"), é o orixá dos Egbá, uma nação iorubá estabelecida outrora na região entre Ifé e Ibadan, onde existe ainda o rio Yemojá. As guerras entre nações iorubas levaram os Egbá a emigrar na direção oeste, para Abeokutá, no início do século XIX. Evidentemente, não lhes foi possível levar o rio, mas, em contrapartida, transportaram consigo os objetos sagrados, suportes do àsé da divindade, e o rio Ògùn, que atravessa a região, tornou-se, a partir de então, a nova morada de iemanjá. Este rio Ògùn não deve, entretanto, ser confundido com Ògún, o deus do ferro e dos ferreiros, contrariamente à opinião de numerosos autores que escreveram sobre o assunto no fim do século passado. Não nos deteremos nas extravagantes hipóteses do Padre Baudin, retomadas com entusiasmo pelo Tenente-Coronel Ellis e outros autores. Daremos, porém, em notas um resumo destes textos.
O principal templo de Iemanjá está localizado em Ibará, um bairro de Abeokutá. Os fiéis desta divindade vão todos os anos buscar a água sagrada para lavar os axés, não no rio Ògùn, mas numa fonte de um dos seus afluentes, o rio Lakaxa. Esta água é recolhida em jarras, transportada numa procissão seguida por pessoas que carregam esculturas de madeira (ère) e um conjunto de tambores. O cortejo na volta vai saudar as pessoas importantes do bairro, começando por Olúbàrà, o rei de Ibará.
Iemanjá seria a filha de Olóòkun, deus (em Benim) ou deusa (em Ifé) do mar. Numa história de Ifá, ela aparece "casada pela primeira vez com Orunmilá, senhor das adivinhações, depois com Olofin, rei, com o qual teve dez filhos, cujos nomes enigmáticos parecem corresponder a outros orixás. Dois deles são facilmente identificados: Òsùmàrè-ègò-béjirìn-fonná-diwó ("O arco-íris-que-se-desloca- com-a-chuva-e-guarda-o-fogo-nos-seus-punhos") e Arìrà-gàgàgà-tí-í-béjirìn-túmò-eji ("O trovão-que- se-desloca-com-a-chuva-e-revela-seus-segredos").
Essas denominações representam, respectivamente, Oxumaré e Xangô.
Iemanjá, cansada de sua permanência em Ifé, foge mais tarde em direção ao Oeste. Outrora, Olóòkun lhe havia dado, por medida de precaução, uma garrafa contendo um preparado, pois "não se sabe jamais o que pode acontecer amanhã, com a recomendação, pois" não se sabe jamais o que pode acontecer amanhã ", com a recomendação de quebrá-la no chão em caso de extremo. E assim, Iemanjá foi instalar-se no"Entardecer-da-Terra", o Oeste. Olofin-Odùduà, rei de Ifé, lançou seu exército à procura da sua mulher. Cercada, Iemanjá, em vez de se deixar prender e ser conduzida de volta a Ifé, quebrou a garrafa, segundo as instruções recebidas. Um rio criou-se na mesma hora, levando-a para Òkun, o oceano, lugar de residência de Olóòkun (Olokum).
Iemanjá tem diversos nomes, relativos, como no caso de Oxum, aos diferentes lugares profundos (ibù) do rio. Ela é representada nas imagens com o aspecto de uma matrona, de seios volumosos, símbolo de maternidade fecunda e nutritiva. Esta particularidade de possuir seios mais majestosos – ou somente um deles, segundo outra lenda – foi origem de desentendimentos com seu marido, embora ela já o houvesse honestamente prevenido antes do casamento que não toleraria a mínima alusão desagradável ou irônica a esse respeito. Tudo ia muito bem e o casal feliz. Uma noite, porém, o marido havia se embriagado com vinho de palma e, não mais podendo controlar as suas palavras, fez comentários sobre seu seio volumosos. Tomada de cólera, Iemanjá bateu com o pé no chão e transformou-se num rio a fim de voltar para
Olóòkun, como na lenda precedente.

Iemanjá recebe sacrifícios de carneiros e oferendas de pratos preparados à base de milho.
As saudações a Iemanjá são bastante interessantes, pois fazem referências às suas características físicas e morais:
"Rainha das águas que vem da casa de Olokum".
Ela usa, no mercado, um vestido de contas.
Ela espera orgulhosamente sentada, diante do rei.
Rainha que vive nas profundezas das águas.
Ela anda a volta da cidade.
Insatisfeita, derruba as pontes.
Ela é proprietária de um fuzil de cobre.
Nossa mãe de seios chorosos ".

Iemanjá no Novo Mundo

Iemanjá é uma divindade muito popular no Brasil e em Cuba. Seu axé é assentado sobre pedras marinhas e conchas, guardadas numa porcelana azul. O sábado é o dia da semana que lhe é consagrado, juntamente com outras divindades femininas. Seus adeptos usam colares de contas de vidro transparentes e vestem-se, de preferência, de azul-claro. Fazem-lhe oferendas de carneiro, pato e pratos preparados à base de milho branco, azeite, sal e cebola. Na dança, suas iaôs imitam o movimento das ondas, flexionando o corpo e executando curiosos movimentos com as mãos, levadas alternadamente à teste e à nuca, cujo simbolismo não chegamos a identificar. Manifestada em suas iaôs, Iemanjá segura um abano de metal branco e é saudade com gritos de "Odò Ìyá!!!" ("Mãe do rio").

Diz-se na Bahia que há sete Iemanjás:
Iemowô, que na África é a mulher de Oxalá;
Iamassê, mãe de Xangô;
Eua (Yewa), rio que na áfrica corre paralelo ao rio Ògùn e que freqüentemente é confundido com
Iemanjá em certas lendas;
Olossá, a lagoa africana na qual deságuam os rios.
Iemanjá Ogonté, casa com Ogum Alagbedé.
Iemanjá Assabá, ela manca e está sempre fiando algodão.
Iemanjá Assessu, muito voluntariosa e respeitável.

Em Cuba, Lydia Cabrera dá sete nomes igualmente, especificando bem que apenas um Iemanjá existe, à qual se chega por sete caminhos.Seu nome indica o lugar onde ela se encontra.
"De Olokum nasceram":
Yemaya Awoyó, a maior e a mais velha de todas. É aquela que usa os trajes mais ricos e se protege com sete anáguas para fazer a guerra e defender seus filhos. Ela vive distante no mar e repousa na lagoa; come carneiro e, quando sai a passeio, usa as jóias de Olokum e coroa-se com Oxumaré, o arco-íris.
Yemaya Ogunte, é azul-clara e vive nos arrecifes próximos da praia. É a guardiã de Olokum. Sob este nome ela é a mulher de Ogum, deus da guerra; é uma amazona terrível, que traz, pendurado na cintura, um facão e outros instrumentos de ferro de Ogum. Ela é severa, rancorosa e violenta; detesta pato e adora carneiro.
Yemaya Maylewo ou Maleleo vive no mato, num lago ou numa fonte inesgotável, graças à sua presença. Como Oxum, ela tem relação com as feiticeiras. Tímida e reservada; incomoda-se quando se toca o rosto de sua iaô e retira-se da festa.
Yemaya Asaba, cujo olhar é insustentável. É muito altiva e escura apenas, virando-se de costa ou inclinando-se ligeiramente de perfil; é perigosa e voluntariosa. Usa uma corrente de prata no tornozelo. Ela foi à mulher de Orunmilá que escutou suas opiniões com respeito, apesar de ter utilizado os instrumentos da adivinhação, quando ele esteve ausente. Indignado Orunmilá expulsou-a momentaneamente.
Yemaya Konla ou Akura vive na espuma da ressaca da maré, envolta numa vestimenta de algas e lodo.
Yemaya Apara, vive na água doce, na confluência de dois rios, onde se encontra com sua irmã Oxum.
Ela dança alegremente e com bons modos; cuida dos doentes e prepara remédios.
Yemaya Asesu, mensageira de Olokum. Vive em água agitada e suja; é muito séria, come pato e é, também, muito lenta para atender aos pedidos de seus fiéis. Ela esquece o que se lhe pede e põe-se a contar meticulosamente as penas do pato que lhe foi sacrificado. Se enganar nos seus cálculos, recomeça essa operação que se prolonga indefinidamente.

No Brasil, Iemanjá é sincretizada com Nossa Senhora da Imaculada Conceição, festejada no dia 8 de dezembro, e, em cuba, com a Santa Virgem de Regla, festejada no dia 8 de setembro. Nesses dois países ela é mais ligada às águas salgadas, porém, as pessoas fazem abstração, na Bahia, do sincretismo que liga Oxum a Nossa Senhora das Candeias, festejada no dia 2 de fevereiro, pois é nesta data que se organiza um solene presente para Iemanjá. Isso mostra que o sincretismo entre os deuses africanos e os santos da Igreja Católica não é de uma rigidez e de um rigor absoluto.
A festa do dia 2 de fevereiro é uma das mais populares do ano, atraindo à praia do Rio Vermelho uma multidão imensa de fiéis e de admiradores de Mãe das Águas. Iemanjá é freqüentemente representada sob a forma latinizada de uma sereia, com longos cabelos soltos ao vento. Chamam-na, também, Dona Janaína ou, mesmo, Princesa ou Rainha do Mar.
Neste dia, longas filas se formam diante da porta da pequena casa construída sobre um promontório, dominando a praia, no local onde, nos outros dias do ano, os pescadores vêm pesar os peixes apanhados durante o dia. Uma cesta imensa foi instalada de manhã, logo cedo, e começa então um longo desfile de pessoas de todas as origens e de todos os meio sociais, trazendo ramos de flores frescas ou artificiais, pratos de comidas feitas com capricho, frascos de perfumes, sabonetes embrulhados em papel transparente, bonecas, cortes de tecidos e outros presentes agradáveis a uma mulher bonita e vaidosa. Carta e súplicas não faltam, nem presentes em dinheiro, assim como colares e pulseiras. Tudo é arrumado dentro da cesta, até que, no final da tarde, ela está totalmente cheia com as oferendas, as flores colocadas por cima. O presente para Iemanjá, transformado numa imensa corbelha florida, é retirado com esforço da pequena casa e levado, em alegre procissão, até a praia, onde é colocado num saveiro. O entusiasmo da multidão chega ao seu máximo; não se escutam senão gritos alegres, saudações e Iemanjá e votos de prosperidade futura. Uma parte da assistência embarca dos saveiros, barcos e lanchas a motor. A flotilha dirige-se para o alto-ma, onde as cestas são depositadas sobre as ondas. Segundo a tradição, para que as oferendas sejam aceitas, elas devem mergulhar até o fundo, sinal da aprovação de Iemanjá. Se elas boiarem e forem devolvidas à praia, é sinal de recusa, para grande tristeza e decepção dos admiradores da divindade.
No Rio de Janeiro, em Santos e Porto Alegre, o culto de Iemanjá é muito intenso durante a última noite do ano, quando centenas de milhares de adeptos vão, cerca de meia-noite, acender velas ao longo das praias e jogar flores e presentes no mar. São seguidores de uma religião nova chamada umbanda, uma mistura entre as religiões africanas, o espiritismo de Alan Kardec e doutas elaborações filosófico-religiosas de tendências universalistas. Esse movimento espiritual conhece, no Brasil e em vários outros países das Américas, um sucesso espetacular. Seus adeptos tomaram Iemanjá como a personificação do bem e da maternidade austera e protetora. Ela é representada como uma espécie de fada, com a pele cor de alabastro, vestida numa longa túnica, bem ampla, de musselina branca com uma longa cauda enfeitada de estrelas douradas; surgindo das águas, com seus longos cabelos pretos esvoaçando ao vento, coroada com um diadema feito de pérola, tendo no alto uma estrela-do-mar. Rosas brancas e estrelas douradas, desprendidas de sua cauda, flutuam suavemente no marulho das ondas. Iemanjá aparece, magra e esbelta, com pequenos seios e o corpo imponentemente encurvado. Estamos bem longe da Iemanjá "matrona de seios volumosos".
Há alguns anos, um zeloso padre católico organizou uma procissão noturna de Nossa Senhora, ao longo das praias do Rio de Janeiro no dia 3l de Dezembro. Seu intuito era o de atrair os mais católicos, entre os devotos de Iemanjá, para uma missa noturna em sua igreja. Porém, os resultados dessa iniciativa foram bem diferentes do que ele esperava. As pessoas reunidas nas praias voltam-se respeitosamente para a procissão, ajoelharam-se, persignaram-se, mas, logo que ela se afastou, voltaram-se novamente para o mar, continuando sua devoção a Iemanjá, persuadida de terem assistido à prova do sincretismo entre ela e Nossa Senhora, pois a imagem desta última estava presente ao longo da praia no momento em que eles a chamavam, por seu nome africano, em suas preces.
Em Cuba, Yemaya é conhecida pelo nome de Virgem de Regla. Sua festa, em 8 de setembro, dia da Natividade de Nossa de Nossa Senhora, atrai sempre uma grande multidão, composta na sua maioria de pessoa da santería, que nesse dia vêm demonstrar sua fé católica e sua devoção a Yemaya.
No bairro de Regla, um subúrbio de Havana, perto da igreja, há dois cabildos, irmandades religiosas, católicas compostas de descendente de africanos lucumi (iorubá). O salão nobre dessas associações abriga ostensivamente um altar magnificamente enfeitado, onde figuram as imagens dos santos católicos sincretizados com os orixás lucumi. Os que mais se destacam são: a Virgen de Regla, Yemaya; a Virgen de la Merced, Orixalá; a Virgen de la Caridad Del Cobre, Oxum; e Santa Bárbara, Xangô. Os lugares consagrados aos orixás africanos são instalados mais discretamente em uma sala contígua, reservada exclusivamente aos membros do cabildo. Na véspera do dia 8 de setembro, são oferecidos sacrifícios de animais aos orixás e acendem-se velas diante do altar católico. Lydia Cabrera escreve que "depois dessa vigília noturna, todo mundo vai assistir à missa na Igreja de Regla e as imagens que enfeitam o altar do cabildo vão, pela manhã cedinho em procissão, visitar a Virgen de Regla no interior da sua igreja. O cortejo é recebido pelo pároco, que o acompanha de volta à porta". Até aqui, salvaram-se a aparência católica da festa. "Mas um conjunto de três atabaques bàtá espera as quatro santas à saída e é ao som de instrumentos musicais africanos e de cantos em lucumi que a procissão segue sua marcha".Como as pessoas que levam os andores marcam o ritmo da música, as santas imagens parecem desfilar dançando pelas ruas do bairro, inclinando-se e levantando-se em uníssono com a multidão. "A procissão vai até a praia, onde aqueles que tomam parte nessa cerimônia entregam-se a um ato de purificação, bebendo três goles dessa água salgada, e com ela borrifam o rosto e os braços. A procissão continua seu percurso, dançando ao som dos bàtá, e vai visitar diversas autoridades civis, depois os mortos e os antepassados que descansam no cemitério. Pára diante de todas as casas, muito numerosas nesse bairro, onde há um altar da Virgen de Regla. Esse passeio, que é uma dança ininterrupta, só acaba ao anoitecer".

Esse texto foi retirado do livro: "Orixás" de Pierre Fatumbi Verger

Oxóssi por Pierre Verger



OXÓSSI (OSOOSÌ)

Osoosì na África

Oxossi, o deus dos caçadores, teria sido o irmão caçula ou filho de Ogum. Sua importância deve-se a diversos fatores.
O primeiro é de ordem material, pois, como Ogum, ele protege os caçadores, torna suas expedições eficazes, delas resultando caça abundante.
O segundo é de ordem médica, pois os caçadores passam grande parte do seu tempo na floresta, estando em contato freqüente com Ossain, divindade das folhas terapêuticas e litúrgicas, e aprendem com ele parte do seu saber.
O terceiro é de ordem social, pois normalmente é um caçador que, durante suas expedições, descobre um lugar favorável à instalação de uma nova roça ou de um vilarejo. Torna-se assim o primeiro ocupante do lugar e senhor da terra (oníle), com autoridade sobre os habitantes que aí venham a se instalar posteriormente.
O quarto é de ordem administrativa e policial, pois antigamente os caçadores (ode) eram únicos a possuir armas no vilarejo, servindo também de guardas-noturnos (oso).
Uma lenda explica com surgiu o nome Osoosì, derivado de Osowusì ("o guarda noturno é popular"):
"Olofin Odùduà, rei de Ifé, celebrava a festa dos novos inhames, um ritual indispensável no inicio da colheita, antes do quê, ninguém podia comer desses inhames. Chegado o dia, uma grande multidão reuniu-se no pátio do palácio real. Olofin estava sentado em grande estilo, magnificamente vestido, cercado de suas mulheres e de seus ministros, enquanto os escravos o abanavam e espantavam as moscas, os tambores batiam e louvores eram entoados para saudá-lo. As pessoas reunidas conversavam e festejavam alegremente, comendo dos novos inhames e bebendo vinho de palma. Subitamente um pássaro gigantesco voou sobre a festa, vindo pousar sobre o teto do prédio central do palácio. Esse pássaro malvado fora enviado pelas feiticeiras, as Ìyámi Òsòròngà, chamadas também as Eleye, isto é, as proprietárias dos pássaros, pois elas utilizam-nos para realizar seus nefastos trabalhos. A confusão e o desespero tomam conta da multidão. Decidiram, então, trazer sucessivamente Oxotogun, o caçador das vinte flechas, de Ido; Oxotogí, o caçador das quarenta flechas, de Moré; Oxotadotá, o caçador das cinqüenta flechas, de Ilarê, e finalmente Oxotokanxoxô, o caçador de uma só flecha, de Iremã. Os três primeiros muitos seguro de si e uns tanto fanfarrões, fracassaram em suas tentativas de atingir o pássaro, apesar do tamanho deste e da habilidade dos atiradores. Chegada a vez de Oxotokanxoxô, filho único, sua mãe foi rapidamente consultar um babalaô que lhe declarou: "Seu filho esta a um passo da morte ou da riqueza. Faça uma oferenda e a morte tornar-se-á riqueza". Ela foi colocar na estrada uma galinha, que havia sacrificado, abrindo-lhe o peito, como deveriam ser feitas as oferendas as feiticeiras, e dizendo três vezes: "Quero o peito do pássaro receba esta oferenda". Foi no momento preciso que seu filho lançava sua única flecha. O pássaro relaxou o encanto que o protegia, para que a oferenda chegasse ao seu peito, mas foi a flecha de Oxotokanxoxô que o atingiu profundamente. O pássaro caiu pesadamente, se debateu e morreu. Todo mundo começou a dançar e cantar: "Oxó (oso) é popular! Oxó é popular! Oxowussi (Osowusì)! Oxowussi!! Oxowussi!!"
Com o tempo Osowusì transformou-se em Osoosì.

Oxossi no Novo Mundo

O culto de Oxossi encontra-se quase extinto na África, mas bastante difundido no Novo Mundo, tanto em Cuba como no Brasil. Na Bahia chega-se mesmo a dizer que ele foi rei de Kêto, onde outrora era cultuado. Isso explica, talvez, pelo fato de este país ter sido completamente destruído e saqueado pelas tropas do rei Daomé, no século passado, e seus habitantes, inclusive os iniciados de Oxossi, foram vendidos como escravos para o Brasil e Cuba. Esses africanos trouxeram consigo o conhecimento do ritual de celebração desse culto. Chegou-se a tal ponto que, embora extinto ainda em Kêto os locais onde Oxossi recebia outrora referendas e sacrifícios, já não existiam atualmente pessoas que saibam ou desejem cultua-lo.
No Brasil, seus numerosos iniciados usam colares de contas azul-esverdeadas e quinta-feira é o dia da semana que lhe é consagrado. Seu símbolo é, como na África, um arco e flecha em ferro foriado. Sacrificam-lhe porcos e são lhe oferecidos pratos de feijão preto ou fradinho com eran patere (miúdos de carne).
Oxossi é sincretizado na Bahia com São Jorge e com São Sebastião no Rio de Janeiro, enquanto em Cuba ele é São Noberto.
No decorrer do "xirê" dos orixás, ele segura em uma das mãos um arco e flecha, seus símbolos, e na outra um "erukerê" (espanta moscas), insígnia de dignidade dos reis da África e que lembra ter sido ele rei de Ketô. Suas danças imitam a caça, a perseguição do animal e o atirar da flecha. Oxossi é saudado com o grito "Okê!".
Conta-se no Brasil que Oxossi era irmão de Ogum e de Exu, todos os três filhos de Iemanjá. Exu era indisciplinado e insolente com sua mãe e por isso ela o mandou embora. Os outros dois se conduziam melhor. Ogum trabalhava no campo e Oxossi caçava na floresta das vizinhanças, de modo que a casa estava sempre abastecida de produtos agrícolas e de caça. Iemanjá, no entanto, ainda inquieta resolveu consultar um babalaô. Este lhe aconselhou a proibir que Oxossi saísse à caça, pois se arriscava a encontrar Ossain, aquele que detém o poder das plantas e que vivia nas profundezas da floresta. Oxossi ficaria exposto a um feitiço de Ossain para obriga-lo a permanecer em sua companhia. Iemanjá exigiu, então, que Oxossi renunciasse as suas atividades de caçador. Este, porém de personalidade independente, continuou suas incursões à floresta. Ele partia com outros caçadores, e como sempre faziam, uma vez chegados juntos a uma grande árvore (ìrókò), separavam-se, prosseguindo isoladamente, e voltavam a se encontrar no fim do dia e no mesmo lugar. Certa tarde, Oxossi não voltou para o reencontro, nem respondeu aos apelos dos outros caçadores. Ele havia encontrado Ossain e este lhe dera pára beber uma poção onde foram maceradas certas folhas, como a amúnimúyè, cujo nome significa "apossa-se de uma pessoa e de sua inteligência", o que provocou Oxossi uma amnésia. Ele não sabia mas quem era nem onde morava. Ficou, então, vivendo na mata com Ossain, como predissera o babalaô.
Ogum inquieto com a ausência do irmão partiu à sua procura, encontrando-o nas profundezas da floresta. Ele o trouxe de volta, mas Iemanjá não quis mas receber o filho desobediente. Ogum, revoltado pela intransigência materna, recusou-se a continuar em casa (é por isso que o lugar consagrado a Ogum está sempre instalado ao ar livre). Oxossi voltou para a companhia de Ossain, e Iemanjá, desesperada por ter perdido seus filhos, transformou-se em um rio, chamado Ògùn (não confundir com Ògún, o orixá).
O narrador desta lenda chamou a atenção para o fato de que "esses quatro deuses iorubas — Exu, Ogum, Oxossi e Ossain — são igualmente simbolizados por objetos de ferro forjado e vivem ao ar livre".

Arquétipo

O arquétipo de Oxossi é o das pessoas espertas, rápidas, sempre alerta e em movimento. São pessoas cheias de iniciativas e sempre em vias de novas descobertas ou de novas atividades. Têm o senso de responsabilidade e dos cuidados para com a família. São generosas, hospitaleiras e amigas da ordem, mas gostam muito mudar de residência e de achar novo meios de existência em detrimento, algumas vezes, de uma vida doméstica harmoniosa e calma.

Outros deuses de caça

Oreluerê (Orelúéré)
Além de Ogum e Oxossi, existem outros deuses da caça entre os iorubas, citemos Ore ou Orelúéré (Oreluerê), que, segundo alguns, teria sido um dos dezesseis companheiros de Odùdùa na ocasião de sua chegada a Ifé. Segundo outros, ele teria sido um dos chefes dos igbôs, juntamente com Orixalá, para opor uma forte resistência aos invasores.

Inlé (Erinle)

Em Ijexá, onde passa um rio chamado Erinle, há um deus da caça com o mesmo nome. Seu templo principal é em Ilobu, onde, segundo onde Ulli Beier, dois cultos teriam se misturado: o culto do rio e do caçador de elefantes, que, em diversas ocasiões, viera ajudar os habitantes de Ilobu a combater seus adversários. Seu símbolo, de ferro forjado,é um pássaro fixo sobre uma haste central, circundada por dezesseis outra hastes sobre as quais se encontra também um pássaro. O culto de Erinle realiza-se as margens de diversos lugares profundos (ibù) do rio. Cada um desses lugares recebe um nome, mas é sempre Erinle que é adorado sob todos esses nomes. Ele recebe oferendas de acarajé, de inhames, bananas, milhos, feijão assado, tudo regado com azeite-de-dendê. No Brasil e em Cuba é conhecido com o nome de Inlé.

Ibualama (Ibùalámo)

Um desses lugares profundos de Erinle dos quais falamos acima Ibùalámo (Ibualama). Ele tem uma certa notoriedade e é objeto de um culto praticado no Novo Mundo, principalmente na Bahia, onde, durante as danças, ele traz nas mãos o símbolo de Oxossi, o arco e flecha de ferro, assim como uma espécie de chicote (bilala), com o qual ele se fustiga a si mesmo.

Logunedé (Lógunede)

Erinle teria tido, com Oxum Ipondá, um filho chamado Lógunede (Logunedé), cujo culto se faz ainda, mas raramente, em Ilexá, onde parece estar em vias de extinção. No Brasil, tanto na Bahia como no Rio de Janeiro, Logunedé tem, entretanto, numerosos adeptos. Esse deus tem por particularidade viver seis meses do ano sobre a terra, comendo caça, e os outros seis meses, sob as águas de um rio, comendo peixe. Ele seria também, alternadamente do sexo masculino, durante seis meses, e do sexo feminino durante os outros seis meses. Esse deus, segundo se conta na África, tem aversão por roupas vermelhas ou marrons. Nenhum dos seus adeptos ousaria utilizar essas cores no seu vestuário. O azul- turquesa, entretanto parece ter sua aprovação. É sincretizado na Bahia com São Expedito.

Esse texto foi retirado do livro: "Orixás" de Pierre Fatumbi Verger

Ogum por Pierre Verger




OGUM (ÒGÚN)

Ògún na África

Ogum, como personagem histórico, teria sido o filho mais velho deOdùduà, o fundador do Ifé. Era um temível guerreiro que brigava sem cessar contra os reinos vizinhos. Dessas expedições, ele trazia sempre um rico espólio e numerosos escravos. Guerreou contra a cidade de Ará e a destruiu. Saqueou e devastou muitos outros Estados e apossou-se da cidade de Ire, matou o rei, aí instalou seu próprio filho no trono e regressou glorioso, usando ele mesmo o título deOníìré, "Rei de Ire". Por razões que ignoramos, Ogum nunca teve direito de usar uma coroa (adé), feita com pequenas contas de vidro e ornada por franjas de miçangas, dissimulando o rosto, emblema da realeza para os iorubas. Foi autorizado a usar um simples diadema, chamadoàkòró, e isso lhe valeu ser saudado, até hoje sob os nomes de Ògún Oníìré e Ògún Aláàkòró inclusive no Novo Mundo, tanto no Brasil como em Cuba, pelos descendentes dos iorubas trazidos para esses lugares.
Ogum teria sido o mais enérgico dos filhos deOdùduà e foi ele que se tornou regente do reino de Ifé quandoOdùduà ficou temporariamente cego.
Ogum decidiu, depois de numerosos anos ausente de Irê, voltar para visitar seu filho. Infelizmente, as pessoas celebravam, no dia da sua chegada, uma cerimônia em que os participantes não podiam falar sob nenhum pretexto. Ogum tinha fome e sede; viu vários potes de vinho de palma, mais ignorava que estivessem vazios. Ninguém o havia saudado ou respondido às suas perguntas. Ele não era reconhecido no local por ter ficado ausente por muito tempo. Ogum, cuja paciência é pequena, enfureceu-se com o silêncio geral, por ele considerado ofensivo. Começou a quebrar com golpes de sabre os potes e, logo depois, sem poder se conter, passou a cortar as cabeças das pessoas mais próximas, até que seu filho apareceu, oferecendo-lhe as suas comidas prediletas, como cães e caramujos, feijão regado com azeite-de-dendê e potes de vinho de palma. Enquanto saciava sua fome e sua sede, os habitantes de Ire cantavam louvores onde não faltavam a menção a Ògúnjajá, que vem da frase Ògún je aja (Ogum come cachorro), o que lhe valeu o nome de Ògúnjá. Satisfeito e acalmado Ogum lamentou seus atos de violência e declarou que já vivera bastante. Baixou a ponta de seu sabre em direção ao chão e desapareceu pela terra adentro com uma barulheira assustadora. Antes de desaparecer, entretanto, ele pronunciou algumas palavras. A essas palavras, ditas durante uma batalha, Ogum aparece imediatamente em socorro daquele que o invocou. Porém elas não podem ser usadas em outras circunstâncias, pois, se não encontra inimigos diante de si, é sobre o imprudente que Ogum se lançará.
Como orixá, Ogum é o deus do ferro, dos ferreiros e de todos aqueles que utilizam esse material: agricultores, caçadores, açougueiros, barbeiros, marceneiros, carpinteiros, escultores. Desde o início do século, os mecânicos, os condutores de automóveis ou de trens, os reparadores de velocípedes e de máquinas de costura vieram juntar-se ao grupo de seus fiéis.
Ogum é único, mas, em Ire, diz-se que ele é composto de sete partes. Ògún méjeje lóòde Ire, frase que faz alusão as sete aldeias, hoje desaparecidas, que existiam em volta de Ire. O número 7 é, pois, associado a Ogum e ele é representado, nos lugares que lhe são consagrados, por instrumentos de ferro, em número de sete, catorze ou vinte e um, pendurados numa haste horizontal, também de ferro: lança, espada, enxada, torquês, facão, ponta de flecha e enxó, símbolos de suas atividades.
Uma história de Ifá, publicada em outra obra, explica como o número 7 foi relacionado a Ogum e o número 9 a Oiá-Iansã.

Conta a lenda:

"Oiá era companheira de Ogum antes de se tornar a mulher de Xangô. Ela ajudava o deus dos ferreiros nos seus trabalhos; carregava docilmente seus instrumentos, da casa à oficina, e aí ele manejava o fole para ativar o fogo da forja. Um dia, Ogum ofereceu a Oiá uma vara de ferro, semelhante a uma de sua propriedade, e que tinha o dom de dividir em sete partes os homens e em nove as mulheres que por ela fossem tocados no decorrer de uma briga.
Xangô gostava de vir sentar-se à forja a fim de apreciar Ogum bater o ferro e, freqüentemente, lançava olhares Oiá; esta, por seu lado, também o olhava furtivamente. Xangô era muito elegante, muito elegante mesmo, afirmava o contador da história. Seus cabelos eram trançados como os de uma mulher e usava brincos, colares e pulseiras. Sua imponência e seu poder impressionaram Oiá. Aconteceu, então, o que era de se esperar: um belo dia ela fugiu com ele. Ogum lançou-se a sua perseguição, encontrou os fugitivos e brandiu sua vara mágica. Oiá fez o mesmo e eles se tocaram ao mesmo tempo. E, assim Ogum foi dividido em sete partes e Oiá em nove, recebendo ele o nome de
Ògún Mejé e ela o de Iansã, cuja origem vem de Iyámésàn a mãe (transformada em) nove.
Ogum é também representado por franjas de folhas de dendezeiros devidamente desfiadas, chamadas màrìwò. Elas serviam de vestimenta aos Igbá Imolè, os duzentos deuses da direita, dos quais fala
Epega, aqueles que, tendo se conduzido mal, foram destruídos por Olodumaré, com exceção de Ogum, que se tornou assim o guia, o condutor dos Irun Imolè, os quatrocentos deuses da esquerda, os únicos, segundo ainda Epega, de que se pode falar sem perigo.
Essesmàrìwò, pendurados acima das portas e janelas de uma casa ou à entrada dos caminhos, representam proteção, barreiras contra as más influências.
Os lugares consagrados a Ogum ficam ao ar livre, na entrada dos palácio dos reis e nos mercados. Estão presentes também na entrada nos templos de outros orixás. São geralmente pedras em forma de bigorna colocadas perto de uma grande árvore,àr àbà (Ceiba pentandra), ou protegidas por uma cerca de plantas nativas chamadaspèr ègùn (Dracaena fragrans) ou dea kòro (Newbouldia laevis). Nesses locais, periodicamente, realizam-se sacrifícios de cachorros e galos, acompanhados de oferendas de vinho de palma e pratos de feijão e inhame cozidos e regados com azeite-de-dendê.
O culto de Ogum é bastante difundido no conjunto dos territórios de língua ioruba e em certos países vizinhos, gêges, como o ex-Daomé e o Togo, onde é chamado de Gun. Ogum é, provavelmente, o deus ioruba mais respeitado e temido. Tomá-lo como testemunha no decorrer de uma discussão, tocando com ponta da língua a lâmina de uma faca, ou um objeto de ferro, é sinal de sinceridade absoluta. Um juramento feito envocando-se o nome de Ogum é o mais solene e digno de fé que se possa imaginar, comparável àquele que faria um cristão sobre a Bíblia ou um mulçumano sobre o Corão.
A vida amorosa de Ogum foi muito agitada. Ele foi o primeiro marido de Oiá aquela que se tornaria mais tarde mulher de Xangô. Teve, também relações com Oxum antes que ela fosse viver com Oxossi e com Xangô. E também com Oba, a terceira mulher de Xangô, e Eléfunlósunlórí, Aquela-que-pinta- sua-cabeça-com-pós-branco-e-vermelho, a mulher de Òrìsà Oko. Teve numerosas aventuras galantes durante suas guerras, tornando-se, assim, pai de diversos orixás, como Oxossi e Oranian.
A importância de Ogum vem do fato de ser ele um dos mais antigos dos deuses iorubas e, também, em virtude da sua ligação com os metais e aqueles que os utilizam. Sem sua permissão e sua proteção, nenhum dos trabalhos e atividades úteis e proveitosas seriam possíveis. Ele é, então e sempre, o primeiro e abre o caminho para os outros orixás.
Entretanto, certos deuses mais antigos que Ogum, ou originários de países vizinhos aos iorubas, não aceitam de bom grado essa primazia assumida por Ogum, o que deu origem a conflitos entre ele e Obaluaê e Nanã Buruku, dos quais falaremos mais adiante.
Osoríkì de Ogum demonstram seu caráter aterrador e violento:
"Ogum que, tendo água em casa, lava-se com sangue".
Os prazeres de Ogum são os combates e as lutas.
Ogum come cachorro e bebe vinho de palam.
Ogum, o violento guerreiro,
O homem louco com músculos de aço,
O terrível ebora que se morde a si próprio sem piedade.
Ogum que come vermes sem vomitar.
Ogum que corta qualquer um em pedaços mais ou menos grandes.
Ogum que usa um chapéu coberto de sangue.
Ogum, tu es o medo na floresta o temor dos caçadores.
Ele mata o marido no fogo e a mulher no fogareiro.
Ele mata o ladrão e o proprietário da coisa roubada.
Ele mata o proprietário da coisa roubada e aquele que critica esta ação.
Ele mata aquele que vende um saco de palha e aquele que o comprar".
Mas os guerreiros, mesmo os valorosos, têm algumas vezes momentos de fraqueza. Uma lenda africana nos conta como Ogum, voltando de uma guerra, em companhia de sua mulher, deixa-se atemorizar pelo coaxar das rãs, e como ele cortou a cabeça de sua mulher, que o havia humilhado contando essa aventura em público. Essa mesma lenda foi publicada por Lydia Cabrera, que a recolheu em Cuba.
Cerimônias para Ogum
Cerimônias dignas de serem mencionadas celebravam-se com regularidade na região de Ahori (no lado nigeriano) ou Holi (no lado daomeano), realizavam-se todas no dia da semana ioruba dedicado a Ogum, ou seja, de quatro em quatro dias. Os ose nla (grandes domingos) alternavam se com os ose kékeré (pequenos domingos); os primeiros tinham mais esplendor que os outros. Esta região Ahori-Holi ficava relativamente preservada da ação civilizadora das administrações coloniais e daquelas que as sucederam. A estrada que atravessa Holi, ligando Kêto ao sul de ex-Daomé, só foi aberta em 1953, em virtude da natureza pantanosa de algumas partes dessa região, ou seja, apenas sete anos antes da independência desses paises.
Citamos, a seguir, alguns dos numerosos templos de Ogum nessas paragens:
Ogún Igiri em Adja Were,
Ogún Edeyi em Ilodo,
Ogún Ondó em Pobê, em Igbó-Isso e em Irokonyi,
Ogún Igboigbo em Ixedé,
Ogún Elénjo em Ibanion e em Modogan,
Ogún Agbo em Ixapo,
Ogún Olópe em Ixedé Ije,
Ogún Absan em Ibanigbe Fuditi.

Trata-se de um só e único ogum, cujo segundo nome designa ou o lugar de origem, como Ondô, ou o nome do fundador, ou, ainda, o nome de uma divindade como no último da relação, para qual ele serve de guardião.
O aspecto desses templos era notável. Situados, geralmente, em lugares calmos e isolados, no meio de uma clareira cercada de arvores frondosas. Apresentavam a forma semelhante a de uma cabana redonda, com telhado cônico e pontiagudo, precedidos por uma galeria ornada com pilastras esculpidas. Construídos com materiais locais: engradamento de madeira, telhado de palha ou de folhas de palmeira trançadas, paredes feitas de bambu.
Os templos dedicados a Ogún Ondô eram de estilo diferente. Todos eles tinham em comum o telhado de cumeeira alta, com duas águas descendo quase até o chão. Vistos de frente, pareciam uma muralha elevada, tendo, ao nível do solo, uma entrada cuja verga era tão baixa que só se podia penetrar no interior do templo curvando-se muito, de maneira respeitosa, ou então rastejando-se com apoio dos cotovelos e joelhos.
O templo de Igbo-Isso, apresentado neste trabalho, perto de Aba, conservou essas características. O de Podê, que conhecemos em 1936, era um edifício majestoso com telhados de palha, alto e pontudo, mas, infelizmente, católicos zelosos, estimulados pelos sermões "incendiários" de um reverendo missionário que, do púlpito, esbravejava sempre contra as religiões pagãs, julgaram por bem "ajudar a Providência" ateando fogo ao templo deOndó numa noite de verão. Foi uma bela fogueira cuja conseqüência foi a reconstrução do templo, com material à prova de fogo, coberto por um telhado de zinco ondulado, semelhante a um galpão ou um galinheiro. Para dar graça ao conjunto e, ao mesmo tempo, amedrontar os incendiários, desenharam, acima da porta, dois leopardos mostrando todas as suas garras.
As cerimônias Ose nlà, em Ògún Ondó, realiza-se numa grande praça, de cerca de cem metros de comprimento por trinta de largura, que era antigamente, uma clareira no meio de uma floresta. Com o tempo essa floresta ficou reduzida a uma estreita faixa de árvores, formando uma cortina medíocre entre o recinto sagrado e a cidade. O templo de Ondó esta situado em um dos lados maiores do retângulo. Defronte, encontra-se outro templo menor e circular, dedicado a Arè, e no fundo, onde devia ser antigamente a entrada da clareira, um templo igualmente circular, de Èsù Elegbára. Este conjunto se completa por dois pequenos cercados quadrados, de cinqüenta centímetros de lado, chamadosidomosun. Num deles, no começo da cerimônia, colocam-se oosun de cada um dos principais dignitários; o outro é reservado aoosun de Olúponahá ainda, em diversos locais, troncos de árvores deitados no chão, servindo de assento aos diversos participantes da cerimônia.
Os principais oficiantes do culto de Ògún Ondó são:
Aláàse, responsável pelo àse do orixá. Ele não entra em transe e seu papel é semelhante ao dos Mogbà Sangó, do qual trataremos mais adiante. Aláà era antigamente o chefe religioso mais importante da comunidade e é, ainda, saudado com um título deKábiyèsí, reservado aos reis. Ele senta-se durante a cerimônia ao lado do templo de Ògún Ondó.
Saba que é assistente de Aláàse, entra em transe de possessão por Ògun Ondó durante o ose;
Okere, assistente de Saba; são dois em geral, e ambos são possuídos (montados porgùn) por Ògún Ondó. Se sentam lado a lado, perto do idomosum.
Isa, que cuida de Arè e toma lugar perto do seu templo, é durante a cerimônia possuído por esta divindade.
Olápòna, que se ocupa de Exu e senta-se perto do seu templo, é por ele possuído por ele muitas vezes, é acompanhado por umOlápòna de um outro templo de Ogún, vindo de alguma cidade vizinha.
Há ainda cerca de outros vinte olóyè, portadores de títulos, que não entram em transe e têm, cada um deles, seu lugar reservado, de onde assistem a cerimônia e dela participam. Entre eles há os egbenlá, os soldados de Ogum, armados com grandes facões e longos bastões.
Duas mulheres consagradas aDúdúa, nome dado na região a Òrìsàálá, sentam-se perto dos Oker e, mas permanecem como meras espectadoras e contentam-se em bater em instrumentos de ferro, em sinal de respeitosa atenção, nos momentos mais solenes. Há ainda asì yàwó (iaôs) deOndó, que cantam em seu louvor.
Ao lado do templo de Are instala-se o conjunto, composto de três atabaques e um agogô. Os atabaques são: uma aposi, pequeno tambor em terracota; um ogidan, tambor alongado colocado rente ao chão; e o kele, pequeno tambor com pés.
Os participantes do ose de Ògún Ondó chegam de manha cedinho.Aláàse, Saba, os Okere ,Isa ou os Olúpona vestem-se com um pano colorido, amarrado no ombro direito. Têm na cabeça um gorro de palha pontudo, enfeitado com grandes penas de galo e penas vermelhas da cauda de papagaios. Os pulsos são ornados com numerosas pulseiras de contas de vidro de diversas cores. Eles trazem numa das mãos seusosun de ferro que vão colocar noidomosun. Na outra mão, tem um facão e dois grandes chocalhos (ààjà), que são batidos um no outro enquanto caminham. Olúpona traz ainda um ogo, bastão esculpido de forma fálica.
Todos vão se sentar em seus respectivos lugares, com ar severo e recolhido. As ìyàwó de Ògún Ondó em seguida trazendo oferendas de alimentos para as divindades: Ògún Ondó, Are e Èsù. As grandes gamelas são colocadas nas portas dos três templos. Saba, ajudado pelos Okere, Isa e os Olúpona levantam-se com a cabeça descoberta, deixando seus gorros, ààjà e facões em seus respectivos lugares e entram em atividade, nos seus templos respectivos, colocados ali uma parte das oferendas preparadas com inhame e feijão, regadas com azeite-de-dendê. Põem uma porção desses alimentos em seusosun para que os antigos titulares do posto, atualmente ocupados por eles, participem também da festa.
Em seguida, fazem oferendas de divindade para divindade e para os diversosolóyè. Isso provoca uma série de idas e vindas em que cada divindade recebe, em troca de seus donativos, um contradonativo dos dois outros. Resulta desses intercâmbios uma refeição comunitária em que participam todos os espectadores do ose.
Os oficiantes do culto consultam as divindades utilizando nozes de cola para verificarem se os deuses estão satisfeitos, em seguida alguns dos dignitários vão se reunir em um local que era outrora uma clareira adjacente, para deliberarem e comentarem o resultado das consultas. Ao cabo de certo tempo, voltam e sentam-se nos lugares que lhe são reservados.
Um período de calma sucede a toda essa agitação, após o que, os músicos entram em ação. Executam uma série de invocações.Aláposi bate alguns compassos em seu tamboraposi, que esta preso entre seus joelhos; Ológidan, cavalgando seu instrumentoogidan colocado no chão, o acompanha. Esses dois tambores formam um conjunto falante, emitem sons ondulados, de acordo com a pressão mais ou menos intensa de uma das mãos do executante sobre os couros dos tambores, invocando os deuses. O terceiro tambor, kele, está no chão, diante de Oníkele, que nele bate com duas varetas numa cadência extremamente rápida. Vez por outra ele é substituído por um dos seus assistentes, que mantém o ritmo, com a mesma cadência acelerada, criando com seu tom agudo uma atmosfera de tensão nervosa que, em certos momentos, torna-se quase insuportável.
O conjunto toca assim, por períodos interrompidos por curtos e repentinos momentos de silêncio. Essas interrupções contribuem para criar uma sensação de anciosa expectativa. Na sétima vez, os Olúpona dão um grito estridente. A expressão de seus rostos transforma-se. Põem gorro pontudo, pegam seusààjà e seus ogo, com eles tocam três vezes o chão e levantam-se de um salto. Seus gritos são retomados por Saba, pelos dois Okere, sentados lado a lado, e por I sa. Enquanto os atabaques fazem suas chamadas, todos passam pelas mesmas fases de tensão e de concentração progressivas. Apertam nervosamente suas mãos, com os dedos entrelaçados, seus músculos se contraem, baixam a cabeça, fazem a testa e cerram os dentes. São, então, possuídos respectivamente por Èsù, Ògún Ondó e Are. Cada um deles dá um grito estridente e levanta-se de um só impulso, saltando muito alto, e vão, apressadamente, reunir-se diante do templo de Ògún Ondó.
A expressão dos rostos mudou de novo. Agora estão com um ar descontraído, folgazão e vagamente alegre, balançando a cabeça e resmungando frases inacabadas. Caminham com passos irregulares, desajeitadamente, levantando muito os pés. Quando param, eles se estremecem e oscilam para frente para trás, bem devagar.
O conjunto toca sem parar mas em surdina. Oselégùn, possuídos pelos deuses, com Olúpona à frente, partem em fila e correm ofegantes, com o corpo inclinado para frente e arrastando os pés. Vão em direção à entrada da clareira e a outros lugares, parando um momento agitado seusààjà, saúdam os quatro cantos do mundo. Em seguida, vão cumprimentar Aláàse, que esta sentado perto do templo de Ògún Ondó. Aproximam-se um a um, passam cuidadosamente seus ààjà e seu facão para a mão direita e com a esquerda apertam a deAláàse, sacudindo-a com força. Tocam três vezes o chão com seus ààjà, entrechocam-nos com força e regularidade e executam, assim uma verdadeira música de ferreiros que lembra o som do martelo batendo sobre uma bigorna. Formulam, com voz de falsete votos de prosperidade e de felicidade. Vão em seguida saudar da mesma forma todos os dignitários, os tocadores de atabaques, os egbenlá e osìyàw ó de Ògún Ondó. O ritmo da música transforma-se e torna-se cada vez mais rápido. Os elégùn começam então a dançar, lado a lado, como numa quadrilha e seguindo, cuidadosamente o compasso marcado pela música, indo do templo de Ondó ao de Are. Recuando, voltam ao ponto de partida e continuam dançando durante um bom tempo, um pouco pesadamente e em diversas direções, marcando seus movimentos com o som de sinos entrechocados. A música pára e oselégùn também. Passam a caminhar de um lado para o outro, com passos ora apressados, ora indolentes, mas sempre desajeitados e hesitantes. Eles profetizam, cantarolam e alternadamente sorriem ou ficam carrancudos; levantam as sobrancelhas, arregalam os olhos ou, com ar beato, exprimem votos aos presentes. Por fim, vão se sentar em seu lugar habitual, resignadamente, com a cabeça baixa e o queixo encostado no peito. Por instantes são agitados por tremores, mas pouco a pouco, voltam a si e retomam sua expressão e comportamentos habituais.
Para os fon do Daomé,Gun desempenha o mesmo papel que Ogun dos iorubas, mas comoOdùdùa, é desconhecido em Abomey. Gun, aí, é considerado o filho de Lisa e Mawu, versão fon de Orìsàálá e Yemowo. Maximilien Quénum o compara a Legba e assinala sua presença diante das forjas. Christian Merlo indica que todos os templos têm seu Gun, cuja virtude é fortificar o vodun.

Ogum no Novo Mundo

Ogum no Brasil é conhecido, sobretudo como deus dos guerreiros. Perdeu sua posição de protetor dos agricultores, pois os escravos, nos séculos anteriores, não possuíam interesse pessoal na abundância e na qualidade das colheitas e, sendo assim, não procuravam sua proteção neste domínio. Isso explica, igualmente, pouco a pouco que os iorubas, escravos no Brasil, deram ao Òrisà Oko, cujo culto continuou popular na África. Como deus dos caçadores, Ogum foi substituído por Oxossi, trazido à Bahia pólos africanos de Kêto, fundadores dos primeiros candomblés desta cidade.
Ogum recebe na Bahia sete nomes próximos daqueles com os quais ele é designado na África. Existem algumas variações nas listas dadas pelas pessoas interrogadas, mas os nomes mais freqüentemente mencionados parecem ser: Ogum Onirê, Ogum Akorô, Ogum Alagbedê, Ogunjá, ogum Mejê, Ogum Omini, Ogum Warí.
As pessoas consagradas a Ogum usam colares de contas de vidro azul-escuro e, algumas vezes, verde. Terça feira é o dia da semana que lhe é consagrado. Como na África ele é representado por sete instrumentos de ferro, pendurados em uma haste do mesmo metal, e por franjas de folhas de dendezeiro desfiadas, chamadasmàrìwò.
Seu nome é sempre mencionado por ocasião de sacrifícios dedicados aos diversos orixás no momento em que a cabeça do animal é decepada com uma faca – da qual ele é o senhor.
É também o primeiro a ser saudado depois que Exú é despachado. Quando Ogum se manifesta no corpo em transe de seus iniciados, dança com ar marcial, agitando sua espada e procurando um adversário para golpear. É, então, saudado com gritos de "Ogum ieee!" ("Olá, Ogum!"). É sempre Ogum quem desfila na frente, "abrindo caminho" para os outros orixás, quando eles entram no barracão nos dias de festa, manifestados e vestidos com suas roupas simbólicas.
Na Bahia, Ogum foi sincretizado com Santo Antônio de Pádua. Expressamos já num capítulo precedente nossa surpresa a respeito da aproximação do deus ioruba e esse santo, geralmente representado com um ar doce a envolvente, bem como a propósito das surpreendentes honras militares que lhe foram concedidas. No Rio de Janeiro, é com São Jorge que Ogum foi associado, o que é mais compreensível, pois ele é representado em suas imagens como um valente guerreiro, vestido com uma brilhante armadura, montado em um fogoso cavalo, às curvetas, e armado com uma lança com a qual ele transpassa um dragão encolerizado.
Em Cuba, Ogum é sincretizado com São João Batista e São Pedro.
No Haiti, "a família dos Ogous engloba o conjunto dos loas nagôs, os orixás iorubas. Encontra-se aí:
"O pai e chefe dos Ogous, Papa Ogou, sincretizado com São Tiago Maior;
Ogou Ferraille, sincretizado com São Felipe;
Ogou Olisha (Obatalá) sincretizado com São Raimuido;
Ogou Balinjo (que existe na África em Dassa Zumê), sincretizando com São Tiago Menor ou São José;
Ogou Djamsan (Iansã-Oiá) e Ossange (Ossain) fazem parte da mesma família dos Ogous, mas não
sabemos com que santos eles são sincretizados;
Enfim, Ogou Chango (Xangô), que, sob influência de Cuba, foi sincretizado com santa Bárbara ".

Arquétipo

O arquétipo de Ogum é o das pessoas violentas, briguentas e impulsivas, incapazes de perdoarem as ofensas de que foram vítimas. Das pessoas que perseguem energeticamente seus objetivos e não se desencorajam facilmente. Daquelas que nos momentos difíceis triunfam onde qualquer outro teria abandonado o combate e perdido toda a esperança. Das pessoas que possuem humor mutável, passando por furiosos acessos de raiva ao mais tranqüilo dos comportamentos. Finalmente, é o arquétipo das pessoas impetuosas e arrogantes, daquelas que se arriscam a melindrar os outros por uma certa falta de discrição quando lhe prestam serviços, mas que, devido à sinceridade e fraqueza de suas intenções, tornam-se difíceis de serem odiadas.

Esse texto foi retirado do livro "Orixás" de Pierre Fatumbi Verger

Oranian por Pierre Verger



ORANIAN (ÒRÀNMÍYÀN)

"Òrànmíyàn (Oranian) foi o filho mais novo de Odùduà e tornou-se o mais poderoso de todos eles; aquele cuja fama era a maior em toda a nação iorubá. Tornou-se famoso como caçador desde a juventude e, em seguida, pelas grandes, numerosas e proveitosas conquistas que realizou. Foi o fundador do reino de Oyó. Uma de suas mulheres, Torosí (Torosi), filha de Elempe, o rei da nação Tapa (ou Nupê), foi a mãe de Xangô, que mais tarde, subiu ao trono de Oyó. Oranian instalou um outro filho seu. Eweka, como rei em Benim, tornando-se ele próprio Óòni de Ifé.
Oranian foi concebido em condições muito singulares, que, sem dúvida, espantariam os geneticistas modernos. Uma lenda relata Omo Ogum, durante uma de suas expedições guerreiras, conquistou a cidade de Ogatún, saqueou-a e trouxe um espólio importante. Uma prisioneira e rara beleza chamada Lakanjê agradou-lhe tanto que ele não respeitou sua virtude. Mais tarde, quando Odùduà, pai de Ogum, a viu, ficou perturbado, desejou-a por sua vez e fez dela uma de suas mulheres. Ogum, amedrontado, não ousou revelar a seu pai o que se passara entre ele à bela prisioneira. Nove meses mais tarde. Oranian nascia. Seu corpo era verticalmente dividido em duas cores. Era preto de um lado, pois Ogum tinha a pele escura do outro, como Odùduà, que tinha a pele muito clara.
Essa característica de Oranian é representada todos os anos em Ifé, por ocasião da festa de olojo, quando o corpo dos servidores do Óòni é pintado de preto e branco. Eles acompanham Óòni de seu palácio até Òkè Mògún, a colina onde se ergue um monólito consagrado a Ogum. Essa grande pedra é cercada de màrìwò òpè, franjas de palmeiras desfiadas, e, nesse dia, os sacrifícios de cão e galo são aí pendurados. Óòni chega vestido suntuosamente, tendo na cabeça a coroa de odùduà, É uma das raras ocasiões, talvez mesmo a única do ano, em que ele a usa publicamente, fora do palácio. Chegando diante da pedra de Ogum, ele cruza por um instante sua espada com Osògún, chefe do culto de Ogum em Ifé, em sinal de aliança, apesar do desprazer experimentado por Odùduà quando descobriu que não era o único pai de Oranian.
Oranian, como já dissemos, foi o fundador da dinastia dos reis de Oyó. O mito da criação do mundo tal como é contado em Oyó atribui-lhe esse ato e não a Odùduà.
Estes dois personagem são os fundadores das respectivas linhagem reais de Oyó e de Ifé, o que bem demonstra que o mito da criação do mundo é, de uma lado e outro, o reflexo da lenha histórica da origem das dinastias que dominam nesses dois reinos.
A supremacia estabelecida por Oranian sobre seus irmãos nos é narrada em uma lenda recolhida no século passado Oyó:
"No começo, a terra não existia... No alto era o céu, embaixo era a água e nenhum ser animava nem o céu nem a água. Ora, o todo-Poderoso Olodumaré, o senhor e o pai de todas as coisas... criou, inicialmente, sete príncipes coroados... Em seguida... sete sacos nos quais havia búzios, pérolas, tecidos e outras riquezas. Criou uma galinha e vinte e uma barras de ferro. Criou, ainda, destro de um pano preto, um pacote volumoso cujo conteúdo era desconhecido. E, finalmente, uma corrente de ferro muito comprida, na qual prendeu os tesouros e os sete príncipes. Depois, deixou cair tudo do alto do cér... No limite do vazio só havia água... Olodumaré, do alto de sua morada divina, jogou uma semente que caiu na água. Logo, uma enorme palmeira cresceu até os príncipes, Oferecendo-lhe um abrigo grande e seguro, entre as suas palmas. Os príncipes se refugiaram ali e se instalaram com suas bagagens. Eram todos príncipes coroados e conseqüentemente, todos queriam comandar. Resolveram separar-se. Os nomes desses sete préncipes eram: Olówu, que se tornou rei do Egbá; Onisabe, que se tornou rei de Savé; Orangun, que reinou em Ila; Óòni, que foi soberano de Ifé; Ajero, que se tornou rei de Ijerô; Alákétu, que reinou em Kêto; e o último criado, o mais jovem, Òrànmíyàn, que se tornou rei de Oyó.
Antes de se separarem para seguirem seus destinos, os sete príncipes decidiram reparti entre eles a soma dos tesouros e das provisões que o Todo-Poderoso lhes havia dado. Os seis mais velhos pegaram os búzios, as pérolas, os tecidos e tudo o que julgaram precioso ou bom para comer. Deixaram para o mais moço o pacote de pano preto, as vinte e uma barras de ferro e a galinha... Os seis príncipes partiram à descoberta nas folhas de palmeira. Quando Oranian ficou sozinho, desejou ver o que continha o pacote envolto no pano preto. Abriu-o e viu uma porção de substância preta que ele desconhecia... sacudiu então o pano e a substância preta caiu na água e não desapareceu. Formou um montículo. A galinha voou para pousar em cima. Ali chegando, ela pôs-se a ciscar essa matéria preta, que se espalhou para longe. E o montículo se ampliou e ocupou o lugar da água. Eis aí como nasceu a terra.
Oranian apresou-se em descer para o domínio, assim formado pela substância negra, e tomou posse da terra. Por sua vez, os outros seis príncipes desceram da palmeira. Quiseram tomar a terra de Oranian, como já lhe haviam tomado, na palmeira, sua parte dos búzios, das pérolas, dos tecidos e dos alimentos... Mas Oranian tinha armas; suas vinte e uma barras de ferro haviam se transformado em lanças, dardos, fechas e machados. Com a mão direita, ele brandia uma longa espada, e lhes dizia: "Esta terra é só minha. Lá em cima, quando me roubaram, vocês me deixaram apenas esta terra e este ferro. A terra cresceu e o ferro também; com ele defenderei a minha terra! Vou matar todos vocês. Os seis príncipes pediram clemência, rastejaram aos pés de Oranian, suplicantes. Pediram-lhe que cedesse uma parte de sua terra para que pudessem viver, e continuar príncipes... Oranian poupou-lhes a vida e deu-lhes uma parte da terra. Exigiu apenas uma condição: esses príncipes e seus descendentes deveriam permanecer sempre seus súditos e de seus descendentes; deveriam, todo ano, vir presta-lhe homenagem e pagar os impostos na sua cidade principal, para demonstrar e lembrar que eles tinham recebido, por condescendência, a vida e sua parte de terra. Eis aí como Oranian tornou-se rei de Oyó e soberano da nação iorubá é, de toda a terra."
Porém, Ifé reivindica a preponderância sobre Oyó. É em Ifé que está guardado o sabre de Oranian, chamado "sabre da Justiça", que os reis de Oyó devem segurar nas mãos durante as cerimônias de entronização, para garantir sua futura autoridade.
Vêem-se ainda em Ifé duas outras relíquias de Oranian: um grande monólito, o Òpá Òrànmíyàn, seu escudo.

Este texto foi retirado do livro "Orixás" de Pierre Fatumbi Verger

Orunmilá por Pierre Verger



ORUNMILÁ (ÒRÚNMÌLÀ)


Orunmilá é na tradição de Ifé o primeiro companheiro e "Chefe Conselheiro" de Odùduà quando de sua chegada a Ifé. Outras fontes dizem que ele estava instalado em um lugar chamado Òkè Igèti antes de vir fixar-se em Òkè Itase. Uma colina em Ifé onde mora Àràbà, a mais outoridade em matéria de adivinhação, pelo sistema chamado Ifá. Orunmilá é também chamado Àgbónmìrégún ou Èlà. É o testemunho do destino das pessoas e, por esta razão, é chamado Eléèrì Ípín.
Apesar de suas altas posições, Orunmilá e Olodumaré, o deus supremo, consultam Ifá em certas
cerimônias, para saberem o que lhes reserva o destino.
Os babalaôs, "pais do segredo", são os porta-vozes de Orunmilá, que não é orixá nem ebora. A iniciação de um babalaô não comporta a perda momentânea de consciência que acompanha a dos Orixás. Não se trata de ressuscitar no inconsciente do babalaô o "eu perdido", correspondente à personalidade do ancestral divinizado. É uma iniciação totalmente intelectual. Ele deve passar por um longo período de aprendizagem de conhecimentos precisos em que a memória, principalmente, entra em jogo. Precisa aprender uma quantidade enorme de histórias e de lendas antigas, classificadas nos duzentos e cinqüenta e seis odù ou signos de Ifá, cujo conjunto forma uma espécie de enciclopédia oral dos conhecimentos tradicionais do povo de língua iorubá.
Todo indivíduo nasceu ligado a um desses duzentos e cinqüenta e seis odù. No momento do nascimento de uma criança, os pais pedem ao babalaô para indicar a que odù a criança está ligada. O odù dá a conhecer a identidade profunda de cada pessoa, serve-lhe de guia na vida, revela-lhe o orixá particular, ao qual ela deve eventualmente ser dedicada, além do da família, e dá-lhe outras indicações que a ajudarão a comportar-se com segurança e sucesso na vida.
Orunmilá é consultado em caso de dúvida, quando as pessoas tem uma decisão importante a tomar a respeito de uma viagem, de um casamento, de uma compra ou venda,ou ainda por aquelas que procuram determinar a causa de uma doença.
Dois sistemas permitem ao babalaô encontrar o signo de Ifá que está sendo procurado, chave do problema que lhe apresenta o consulente. Um deles é bastante elaborado, manipula-se de acordo com certas regras, dezesseis caroços dos frutos do dendezeiro, os ikin Ifá; o outro é mais simples e consiste em utilizar um opele Ifá, uma corrente onde estão enfiadas oito metades de caroço de certa fruta.
Uma vez determinado o odù desses processos, a resposta a ser dada ao consulente é encontrada pelo babalaô interpretando o contexto das histórias tradicionais, correspondentes a esse odù.
Orunmilá, embora não sendo um orixá, participa muitas vezes de Ifá, da vida, e das aventuras dos deuses iorubás.
Conta-se que ele teve relações amorosas com umcerto número de divindades, como Iemanjá, Ajé a riqueza, filha de Olókun, Oxum e muitas outras mulheres, entre as quais podemos citar: Osúmiléyò e Apètèbì, que é o titulo usado pela mulher fazer a adivinhação. Há ainda sua mulher Odù, cujo símbolo é Igbàdú, a cabaça de Odù, da qual falamos em outra publicação.
Há outros sistemas de adivinhação derivado do sistema de Ifá, porém sem ligação com Orunmilá. Em um deles, Utilizam-se dezesseis búzios e é Exu quem dá as respostas; num outros são usados as quatro partes de uma noz de cola e é orixá que responde diretamente às perguntas do consulente.




Esse texto foi retirado do livro "Orixás" de Pierre Fatumbi Verger

Exú por Pierre Verger



EXU ELEGBARÁ (ÈSÙ ou ELEGBÁRA)

Èsù na África
Exu é um orixá ou um ebora de múltiplos e contraditórios aspectos, o que torna difícil defini-lo de maneira coerente. De caráter irascível, ele gosta de suscitar dissensões e disputas, de provocar acidentes e calamidades públicas e privadas. É astucioso, grosseiro, vaidoso, indecente, a tal ponto que os primeiros missionários, assustados com essas características, compram-no ao diabo, dele fazendo o símbolo de tudo o que é maldade, perversidade, abjeção, ódio, em oposição à bondade, à pureza, à elevação e ao amor de Deus.
Entretanto, exu possui o seu lado bom e, se ele é tratado com consideração, reage favoravelmente, mostrando-se serviçal e prestativo. Se, pelo contrário, as pessoas se esquecerem de lhe oferecerem sacrifícios e oferendas, podem esperar todas as catástrofes Exu revela-se, talvez, dessa maneira o mais humano dos orixás, nem completamente mau, nem completamente bom.
Ele tem as qualidades dos seus defeitos, pois é dinâmico e jovial, constituindo-se, assim, um orixá protetor, havendo mesmo pessoas na África que usam orgulhosamente nomes como Èsùbíyìí (concebido por Exu), ou (Exu merece ser adorado).
Como personagem histórica, Exu teria sido um dos companheiros de Odùduà, quando da sua chegada a Ifé, e chamava-se Èsù Obasin. Tornou-se, mais tarde, um dos assistentes de Orunmilá, que preside a adivinhação pelo sistema de Ifá. Segundo Epega, Exu tornou-se rei Kêto sob o nome de Èsù Alákétu.
É Exu que supervisiona as atividades do mercado do rei em cada cidade: o de Oyó é chamado Èsù Akesan.
Como orixá, diz-se que ele veio ao mundo com um porrete, chamado ogò, que teria a propriedade de transporta-lo, em algumas horas, a centenas de quilômetros e de atrair, por um poder magnético, objetos situados a distâncias igualmente grandes.
Exu é o guardião dos templos, das casas, das cidades e das pessoas. É também ele que serve de intermediário entre os homens e os deuses. Por essa razão é que nada se faz sem ele e sem que oferendas lhe sejam feitas, antes e qualquer outro orixá, para neutralizar suas tendências a provocar mal-entendidos entre os seres humanos e em suas relações com os deuses e, até mesmo, dos deuses entre si.
Exu teve numerosas brigas com os outros orixás, nem sempre saindo vencedor. Certas lendas nos contam seus sucessos e seus reveses nas suas relações com Oxalá, ao qual fez passar alguns maus momentos, em vingança por não haver recebido certas oferendas, quando Oxalá foi enviado por Olodumaré, o deus supremo, para criar o mundo. Exu provocou-lhe uma sede tão intensa que Oxalá bebeu vinho de palma em excesso, com conseqüências desastrosas, como veremos. Teremos oportunidade, também, de ver como exu foi responsável pelos transtornos de que o mesmo Oxalá foi objeto quando certa vez foi visitar Xangô.
Por outro lado, em lendas publicadas numa outra obra, narra-se que houve uma disputa entre Exu e o Grande Orixá, para saber qual dos dois era o mais antigo e, em conseqüência, o mais respeitável. Oxalá provou sua superioridade durante um combate cheio de peripécias, ao fim do qual ele apoderou-se da cabacinha que encerra o poder de Exu e Obaluaê, foi este último que saiu igualmente vencedor.
O lado malfazejo de Exu é evidenciado nas seguintes histórias:
Uma delas, bastante conhecida e da qual existem numerosas variações, conta como ele semeou discórdia entre dois amigos que estavam trabalhando em campos vizinhos. Ele colocou um boné vermelho e um lado e branco do outro e passou ao longo de um caminho que separava os dois campos. Ao fim de alguns instantes, um dos amigos fez alusão a um homem de boné vermelho; o outro retrucou que o boné era branco e o primeiro voltou a insistir, mantendo a sua afirmação; o segundo permaneceu firme na retificação. Como ambos eram de boa fé, apegavam-se a seus pontos de vista, sustentando-os com ardor e, logo depois, com cólera. Acabaram lutando corpo a corpo e mataram-se um ao outro.
Uma outra lenda mostra Exu mais maquiavélico ainda. Ele foi procurar uma rainha abandonada já há algum tempo por seu marido e lhe disse: "Traga-me alguns fios da barba do rei e corte-os com esta faca. Eu lhe farei um amuleto que lhe trará de volta o seu marido". Em seguida, Exu foi à casa do filho da rainha, que era o príncipe herdeiro.Este vivia numa residência situada fora dos limites do palácio do rei. O costume assim o determinava, a fim de prevenir toda tentativa de assassinato de um soberano por um príncipe impaciente por subir ao trono. "O rei vai partir para guerra", disse-lhe ele, e pede o seu comparecimento esta noite ao palácio, acompanhada de seus guerreiros. Finalmente, Exu foi ao rei e disse-lhe: A rainha, magoada pela sua frieza, deseja mata-lo para se vingar. Cuidado, esta noite. E a noite veio. O rei deitou-se, fingiu dormir e viu, logo depois, a rainha aproximar um afaça de sua garganta. O que ela queria era cortar um fio da barba do rei, mas ele julgou que ela desejava assassiná-lo. O rei desarmou-a e ambos lutaram, fazendo grande algazarra. O príncipe, que chegava ao palácio com seus guerreiros, escutou grito nos aposentos do rei e correu para lá. Vendo o rei com a uma faca na mão, o príncipe pensou que ele queria matar sua mãe. Por seu lado, o rei, ao ver o filho penetrar nos seus aposentos, no meio da noite, armado e seguido por seus guerreiros, acreditou que eles desejavam assassina-lo. Gritou por socorro. A sua guarda acudiu e houve então uma grande luta, seguida de massacre generalizado.
Uma história mais simples mostra a atividade de Exu na vida cotidiana: uma mulher se encontra no mercado vendendo os seus produtos. Exu põe fogo na sua casa, ela corre para lá, abandonando seu negócio. A mulher chega tarde, a casa está queimada e, durante esse tempo, um ladrão levou as suas mercadorias.
Nada disso teria acontecido – nem os amigos teriam brigado, nem o rei e o príncipe teriam se massacrado, nem a vendedora teria se arruinado – se tivessem feito a Exu as oferendas e os sacrifícios usuais.
O lugar consagrado a Exu entre os iorubás é constituído de um pedaço de pedra porosa, chamada Yangi, ou por um montículo de terra grosseiramente modelado na forma humana, com olhos, nariz e boca assinalados com búzios, ou então ele é representado por uma estátua, enfeitada com fieiras de búzios, tendo em suas mãos pequenas cabaças (àdó), contendo os pós por ele utilizados em seus trabalhos. Seus cabelos são presos numa longa trança, que cai para trás e forma, em cima, uma crista para esconder a lâmina de faca que lê tem no alto do crânio. Isso, por sinal, é dito em uma de suas saudações:

Sinso abè kò lóri e


A lâmina (sobre a cabeça) é afiada, ele não tem (pois) cabeça para carregar fardos".

A Exu são oferecidos bodes e galos, pretos de preferência, e prato cozidos em azeite-de-dendê (epo), porém nunca se lhe deve oferecer o óleo branco (adi), que é extraído das amêndoas contidas nos caroços do dendê. Este àdí tem a reputação de ser "cheio de violência e de cólera". Dizem que uma boa maneira de se vingar de um inimigo consiste em derramar sobre a estátua de Exu esse óleo, fervendo de preferência, declarando em voz alta que essa oferenda é feita pela pessoa desprezada. Exu não deixaria então de lhe pregar uma peça!
Os elégùn de Exu participam das cerimônias celebradas para os outros orixás.Alguns acompanham Xangô e traz nas costas uma tralha curiosa, onde se encontram, em desordem, duas ou três estatuetas de Exu, fieiras de búzios, pentes, espelhos e as indispensáveis cabacinhas àdó, contendo os elementos de seu poder. Outros, chamados olúpòna, participam das cerimônias que se realizam a cada quatro dias, para Ogum, na região de Holi. No decorrer de suas danças, trazem sempre na mão um ògo, bastão de forma fálica.
Exu pode fazer coisas extraordinárias que se exprime nos seus oríkí, os louvores tradicionais:
"Exu faz o erro virar acerto e o acerto virar erro".
"É numa peneira que ele transporta o azeite que compra no mercado; e o azeite não escorre dessa estranha vasilha".
"Ele matou um pássaro ontem, com uma pedra que somente hoje atirou. Se ele se zanga, pisa nessa pedra e ela põe-se a sangrar".
"Aborrecido, ele senta-se na pele de uma formiga".
"Sentado, sua cabeça bate no teto; de pé, não atinge nem mesmo a altura do fogareiro.
 
Légba
Entre os fon do ex-Daomé, Èsù-Elégbára tem o nome de Légba. Ele é representado por um montículo de terra em forma de homem acocorado, ornado com um falo de tamanho respeitável. Esse detalhe deu motivo a observações escandalizadas, ou divertidas, de numerosos viajantes antigos e fizeram-no passar, erradamente, pelo deus da fornicação. Esse falo ereto nada mais é do que a afirmação de seu caráter truculento, atrevido e sem-vergonha e de seu desejo de chocar o decoro.
Os Légba, guardiões dos templos de Hevioso, vodun do trovão, e de sapata, vodun equivalente a Sànpònná dos iorubás, manifestam-se através de légbasi, equivalentes a Olúpòna, durante as cerimônias celebradas para esse vodun. Os légbasi vestem-se com uma saia de ráfia tinturada de roxo e usam a tiracolo inúmeros colares de búzios. Debaixo da sua saia traz, disfarçado, um volumoso falo de madeira que levantam, de vez em quando, com mímicas eróticas. Além disso, têm na mão uma espécie de espanta-moscas, Roxo, semelhante a um espanador, no qual está escondido um bastão em forma de falo, que eles agitam, de maneira engraçada, na cara das pessoas presentes, particularmente sob o nariz dos turistas, pois os légbasi não deixam de observar seus sentimentos ambivalente diante dessas exibições.
 
Exu no Novo Mundo

No Brasil, como em Cuba, Exu foi sincretizado com o Diabo. Não inspira, porém, grande terror, pois sabe-se que, quando tratado convenientemente, ele trabalha para o bem, quer dizer, pode ser enviado para fazer mal às pessoas más ou àquelas que nos prejudicam ou, ainda, àquelas que nos causam ressentimentos.
Chamam-no, familiarmente, o "Compadre" ou o "Homem das Encruzilhadas", pois é nesses lugares que se depositam, de preferência, as oferendas que lhe são destinadas.
Poucas pessoas lhe são abertamente consagradas em razão desse suposto sincretismo com o Diabo. A tendência, logo que ele se manifesta, é de acalma-lo, de fixa-lo, oferecendo-lhe sacrifícios e procedendo à iniciação da pessoa interessada em proveito de seu irmão Ogum, com o qual Exu divide um caráter violento e arrebatado.
O lugar consagrado a Exu é, geralmente, ao ar livre ou no interior de uma pequena choupana isolada ou, ainda, atrás da porta da casa. É simbolizado por um tridente de ferro, plantado sobre um montículo de terra e, algumas vezes, por uma imagem, igualmente de ferro, representando o Diabo Brandindo o tridente.
A segunda-feira é o dia da semana consagrado a ele. As pessoas que procuram a sua proteção usam colares de contas pretas e vermelhas. As oferendas, de animais e comida, como na áfrica, são-lhe apresentadas antes das dos outros orixás.
Diz-se na Bahia que existem vinte e um Exus, segundo uns, e apenas sete, segundo outros. Alguns dos seus nomes podem passar por apelidos, outros parecem ser letras dos cânticos ou fórmulas de louvores. Eis alguns: Exu-Elegbá ou Exu-Elegbará e seus possíveis derivados: Exu-Bará ou Exu- Ibará, Exu-Alaketo, Exu-Laalu, Exu-Jeto, Exu-Akessan, Exu-Loná, Exu-Agbô, Exu-Larôye, Exu- Inan, Exu-Odora, Exu-Tiriri.
Assinalamos anteriormente que, antes de realizar o xirê dos orixás, faz-se, na Bahia, o padê, palavra que, como vimos, significa em iorubá encontro ou reunião, durante a qual Exu é chamado, saudado, cumprimentado e enviado ao além com uma dupla intenção: convocar os outros deuses para a festa e, ao mesmo tempo, afasta-lo para que não perturbe a boa ordem da cerimônia com um dos seus golpes de mau gosto.

Arquétipo

O arquétipo de Exu é muito comum em nossa sociedade, onde proliferam pessoas com caráter ambivalente, ao mesmo tempo boas e más, porém com inclinação para a maldade, o desatino, a obscenidade, a depravação e a corrupção. Pessoas que têm a arte de inspirar confiança e dela abusar, mas que apresentam, em contrapartida, a faculdade de inteligente compreensão dos problemas dos outros e a de dar ponderados conselhos, com tanto mais zelo quanto maior a recompensa esperada. As cogitações intelectuais enganadoras e as intrigas políticas lhes convêm particularmente e são, para elas, garantias de sucesso na vida.


 Esse texto foi retirado do livro "Orixás" de Pierre Fatumbi Verger

Carta aos Orixás

Que eu seja forte, como o grito de guerra dos negros velhos, que na aflição encontraram sua força.
Que eu seja puro, como as crianças que encontraram
na morte o recomeço da vida.
E assim como os índios e caboclos das matas, eu conheça
 a cura, a sabedoria, e a simplicidade.
Pra que nem na derrota, eu desista da luta e da evolução...
Que eu veja no aprendizado de hoje, minhas lições do passado.
Que eu seja guerreiro, extrovertido, como os baianos, pra que o convívio comigo mesmo seja mais que suportável.
Que eu tenha sorte no amor, na vibração das pomba giras,
minha vida eterna seja boa companhia.
E assim como os guardiões, eu seja forte, sem perder a ternura,
e não tenha medo da luta.
Pra que nem no desespero, eu perca a fé,
a noção do amor e da caridade...
E que mesmo que seja traído, que tenha inimigos,
 eu não perca o amor ao próximo.
Que eu não esqueça meu caminho, que eu siga sempre a luz.
e pra me divertir, que seja como os exús, que na tristeza enxergam alegria, e nas trevas enxergam a luz.
Que eu seja criança, adulto e ancião.
Sendo puro, aprendiz e sábio.
Que eu seja sempre lembrado e testado...
Pra que minha vida não perca o sentido.
Que Ogum me proteja com sua lança de luz.
Que Oxúm me abençoe em seus grandes rios.
Que Iemanjá me lave em suas águas salgadas.
Que Xangô me mantenha em justiça.
Que Obaluae me permita ter saúde.
Que Oxóssi me traga a sabedoria.
Que Iansã abra meus caminhos.
Que Nanã me acaricie como neto.
E que quando encontrar me com o destino final
de todo ser encarnado, seja abençoado por Omulú.
Pra que me torne, um mensageiro direto de Oxalá...
Salve o povo da direita, salve o povo da esquerda...
(por Rafael Ramos @poetavadio)

A montanha

Creio que posso alcançar o alto dessa montanha quando, de olhos fechados, acalmo a matéria e busco no silêncio da alma a cura espiritual.
O caminho é silencioso, é leve. Minha mente é clara, eu sigo uma luz.
Enfim, algum som!
É o coração, compassado, tranquilo. O corpo reage de acordo com a pulsação. Ele pulsa junto.
Sou um enorme coração.
Agora vem o cheiro da montanha, do mato. Sinto a brisa. Coloco meus sentimentos pra fora, sentindo meus pés na grama, extravaso, perdôo, falo dos meus desejos, exponho minhas idéias malucas... alguém me ouve!!!
Ainda com os olhos da carne fechados vejo o horizonte. Fico imaginando, se um dia vou poder olhar "lá de cima" um planeta melhor, ver o homem feliz, perceber que o mundo é como estava escrito quando ainda estava na planta.
Algum tempo depois e é hora de voltar. Meus olhos se abrem lentamente, trago comigo a calmaria e a magia da montanha. Sinto que posso ser melhor, sinto esperança.
Sinto vontade de permanecer lá, mas sei que existe um porque de eu estar aqui. Me contento em saber que sou bem vindo sempre que quiser estar lá.
Queria um dia poder levar todos, mas não poderei. Ela é só pra mim, assim como todo mundo, eu tenho a minha. O problema é que enquanto uns tentam tornar o caminho até ela o mais curto possível, outros se distanciam mais a cada dia, a cada ato.

Asé

@vidaorixa